Sugestões não faltam. O Deputado
Roberto Freire recomenda que a Presidente Dilma renuncie. Diz que seria um
gesto de grandeza. O Senador Ronaldo Caiado pede novas eleições. Uma nova
chance, por que não? O Deputado Rogério Marinho, do Rio Grande do Norte,
sugeriu uma saída parlamentarista, quem sabe ao estilo 1961. Há juristas aos
milhares, nas redes sociais. Cada um com seu veredicto definitivo sobre o
impedimento da Presidente.
Talvez por não ser jurista, ou por
temperamento, ando na contramão. Não acho que seja o caso de pedir para a Presidente
que renuncie, ou faça um haraquiri. O País teve a chance de trocar de governo
no final de outubro passado. Naqueles dias já se sabia bastante sobre a
corrupção na Petrobrás, a justiça já havia julgado o Mensalão e encarcerado um
pedaço da cúpula petista. Mesmo assim, a maioria decidiu dar mais quatro anos
ao governo. Saber porque isto ocorreu talvez seja a primeira tarefa da
oposição, mas não vejo esta pergunta sendo feita.
Não vale a pena gastar tinta, aqui,
enumerando os problemas deste governo. Disso, todos sabem. O PIB deve recuar
1,5%, este ano, o ajuste fiscal se tornou pífio e o governo destruiu programas
sociais importantes, como o FIES (com os quais se elegeu). Mas o pior é a
desesperadora falta de agenda e visão de futuro. Reclama-se da votação da
redução da maioridade penal, na Câmara. Mas o governo soube propor uma
alternativa? Impressiona a inércia. O Brasil caminha para uma brutal crise
estrutural das contas públicas, logo ali adiante. Alguma reforma estrutural à
vista?
Nenhuma dessas razões, não obstante,
são suficientes para tirar a Presidente do poder. No presidencialismo é assim.
Não se substitui o chefe de governo - que por acaso também é o chefe de Estado
- porque a Presidente é fraca, porque 62% da população assim o deseja, ou porque
de vez em quando ela faz discursos sem sentido, sobre mandiocas e mulheres
sapiens. É no parlamentarismo que se pode trocar o chefe de governo, se a
gestão é ruim, e se lhe falta apoio político. Mas o Brasil escolheu o
presidencialismo, no plebiscito de 1993, lembram?
No Brasil, talvez desde a queda de
Collor de Melo, criou-se a ideia de que um impeachment é um “processo
político”. Ouvi esta frase de muita gente boa, nestes anos todos. Trata-se,
quando muito, de uma meia verdade. Impeachment é um processo que demanda
autorização e julgamento de instâncias políticas, a Câmara e o Senado,
respectivamente. Mas requer clara fundamentação jurídica, sob critérios bem
especificados na Constituição.
Neste sentido, é inócuo exigir que a
oposição assuma uma postura mais “enfática”, a favor do impeachment, no
Congresso, tanto quando seria patético qualquer tipo de “acordo”, entre governo
e setores da oposição, relativo a uma suposta crise institucional. O Brasil não
vive uma crise institucional. Há, sim, uma crise ética, e por certo de
governabilidade. E uma grande tarefa pela frente: passar à limpo o que ocorreu
no País, nestes últimos anos, e responsabilizar a quem de direito.
A hora é de reforçar as instituições.
Exigir respeito ao trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal, do
Tribunal de Contas, do Judiciário. Por absoluta omissão do sistema político,
são estas instituições que representam, hoje, a linha de frente da
transformação ética que a sociedade exige. A passagem do país cordial, do
compadrio político-corporativo, a um país fundado na impessoalidade das
relações de poder.
É possível especular se, de fato, a
sociedade deseja esta transformação. Há quem diga que somos o País do jeitinho.
Da lei seca e do twitter da lei seca. Do mercado de emendas ao orçamento, das
agências reguladoras transformadas em fonte de emprego. Tudo isto que sabemos existir,
mas não sabemos se há vontade de mudar. De toda forma, a um custo elevado, as
instituições jurídicas de Estado estão passando o País a limpo. Dores do parto
da República, quem sabe.
Fernando Schüler
Cientista político
e professor do Insper