quarta-feira, 9 de março de 2011

O que os mestres da política têm a nos ensinar sobre falar e silenciar

Por maior que seja o talento do político, palavras sempre serão palavras. Como tal, estarão sempre sujeitas a contestações também por palavras.

“A verdade é geralmente vista, mas raramente ouvida”

(Baltasar Gracián)

A frase de Gracián, com a sua conhecida capacidade de síntese, contrasta o “ato de falar” com o “ato de fazer”, alertando que se fala muito mais facilmente do que se faz.

Na nossa linguagem popular, há uma expressão assemelhada, “Falar é fácil...”, frequentemente usada para assinalar esta diferença entre falar e fazer.

Gracián, entretanto, formula seu princípio de maneira precisa, referindo-o à verdade, sempre uma questão que suscita grandes controvérsias e divergências no mundo da política.

“Fale o que é certo, e faça o que é honrado. O primeiro mostra uma cabeça perfeita, o segundo um coração perfeito, e ambos elevam-se ao nível de um espírito superior”


Para Gracián, no mundo da política a palavra reina, mas a realização é sempre mais modesta

Esta advertência de Gracián, é muito apropriada, sobretudo para o mundo da política, onde a palavra reina e a realização é sempre mais modesta. Por maior que seja o talento do político, a sua excelência oratória e as sutilezas de seus raciocínios, palavras sempre serão palavras. Como tal, estarão sempre sujeitas a contestações também por palavras.

Por outro lado, aquilo que pode ser visto e demonstrado na prática, se impõe a qualquer um como verdade. O político prudente nunca permite que suas palavras se afastem demasiadamente de seus atos. Nem no que diz respeito ao seu comportamento e valores, nem tampouco no que se refere ao seu desempenho político e administrativo.

Além disso, ele deve criar um hábito que venha a se tornar uma disciplina intelectual e uma regra de discussão entre seus auxiliares: respaldar ideias e propostas em fatos. Como diz o mesmo Gracián:

“As palavras são as sombras dos atos. Os atos são a substância da vida, e palavras sábias o seu adorno”

Um dos estereótipos mais comuns aplicado aos políticos é o que o apresenta como um indivíduo de palavra fácil, de oratória pomposa e vazia, manejando ardis verbais e uma argumentação incansável. É o “bem falante” o “bom de papo”, na irreverente linguagem popular.

Por trás deste estereótipo, entretanto, há boa dose de verdade.

O político, muitas vezes, se deixa enganar por sua própria arte de falar, esquecendo-se que as palavras, para manterem o seu valor, precisam ser respaldadas por atos e fatos. Esta advertência serve para a publicidade política também. A propaganda feita sobre um fato, uma realização, é sempre mais confiável para o cidadão do que aquela outra, construída sobre intenções e declarações.

Na propaganda, o fato e a sua imagem, falam por si mesmos, e falam com muito maior força e eloquência do que o melhor dos discursos. De forma análoga, quando há uma acusação ou uma denúncia, dispor de um documento que pode comprovar a falsidade dela é incomparavelmente mais forte do que qualquer declaração pessoal, testemunho, ou argumento, desacompanhados de uma evidência factual ou documental.

Como então ser reservado?

Se a reserva, o cuidado com o falar são tão decisivos para o político e governante; se, por outro lado, trata-se de um erro tão frequente, tão comum, tão presente em todas as épocas históricas, como então vacinar-se contra este mal? Como evitar os erros de falar? Como enfim conseguir ser reservado?


Não é prudente falar de quem está presente na conversa


Em primeiro lugar: evite falar sobre si. Falando de si mesmo você ou vai se auto-elogiar – o que é um exercício de vaidade -, ou vai se auto-criticar, o que, provindo de iniciativa sua, tende a ser recebido como um sinal de fraqueza.

Em segundo lugar: não é prudente falar de quem está presente na conversa. Você se arrisca a ser visto como adulador, ou como hostil.

Em terceiro lugar: treine-se para dar respostas curtas, seguidas de silêncio, e evite ser demasiado explícito e claro. Seu silêncio vai fazê-los sentir-se inconfortáveis. Faça com que eles fiquem tentando adivinhar o significado do que você disse. A maioria das pessoas dá pouco valor ao que é facilmente compreendido. Para serem valorizadas, as coisas precisam ser difíceis, intrigantes, vagas.

É, novamente, o jogo das aparências. Quanto menos você falar, e, quando falar, mostrar reserva, maior você parecerá e você deverá ser reputado como mais poderoso.

Em quarto lugar: saiba ser evasivo, sem ser descortês. Esta é a maneira como o político prudente livra-se de muitas dificuldades. Ao mudar de assunto, ao usar o humor, ao relatar um fato, você logra evitar o assunto inconveniente, com elegância. Se você é reservado, as pessoas não se sentirão com liberdade de retornar ao assunto.

Em quinto lugar: não permaneça tempo demais conversando com as mesmas pessoas. O “grupo”, que assim se forma em torno de você, tende a produzir uma intimidade perigosa, uma diluição de sua imagem de importância, podendo chegar ao limite de uma camaradagem bem intencionada, mas demasiado espontânea. O populismo, a demagogia “democratizante”, a diluição das fronteiras da hierarquia preserva, no máximo, um “verniz” de autoridade, prestes a ser arranhado e rompido com extrema facilidade. Ao tentar recuperar a diferença hierárquica você será percebido como falso e oportunista.

Em sexto lugar: muito cuidado com piadas e com o sarcasmo. Elas podem comprometer a sua imagem de seriedade e reserva, além de que, se forem inapropriadas, deixam você parecendo inoportuno, sem graça e grosseiro. Não confunda nunca uma irreverência elegante e discreta com o sarcasmo cortante e a piada ou trocadilho infeliz. Por fim, ao falar pouco, você guarda reservas para falar mais, sempre que for necessário. Você preserva seu mistério, seu poder, e sua utilidade. Não gaste toda a sua “munição” nem ao falar, nem no uso de outros recursos que comanda. Tenha sempre suas reservas para uso nos momentos em que seja necessário.


Preserva seu mistério. Não gaste toda a sua “munição” ao falar


Mesmo no que se refere ao conhecimento “segure consigo” uma parte dele. Deixe que os outros falem, revelem suas posições e ideias.

No silêncio em que ouve, você está livre para acrescentar peças de informação que não possuía, reavaliar suas posições e opiniões, sem que ninguém possa saber o que se passa em sua cabeça. No momento oportuno, tendo ouvido os demais, se julgar apropriado, fale com a autoridade de quem sabe o que os outros pensam e preparou o que vai dizer.

Além disso, se guardou conhecimento ou informação, você não será pego desprevenido nunca. Frente a uma situação inesperada, quando você não pode deixar de opinar, você contará com aquela “folga” para usar na hora certa.

Seja pois prudente, por todas estas razões, e valorize a sua palavra. Cultive a reserva, mantenha uma certa distância educada e cortês, seja sempre oportuno e apropriado ao falar e ao agir, e observe, em volta de si, como a maioria das pessoas – inclusive de políticos – banalizam-se.

Francisco Ferraz