A própria permanência no poder dá origem a um profundo desejo de mudança pelo eleitorado. O povo grato ao seu governante não quer magoá-lo, mas também não quer mais mantê-lo.
Na primeira eleição às vésperas do fim da Segunda Guerra Mundial, os eleitores ingleses surpreenderam o mundo ao darem maioria no Parlamento ao Partido Trabalhista, mandando Churchill para casa, e fazendo de Clement Attlee o novo primeiro ministro do governo.
No auge de sua popularidade, Churchill sofreu uma derrota tão humilhante quanto inacreditável para Clement Attlee.
A derrota de Churchill foi uma surpresa. Ele havia sido o grande líder, não só da Inglaterra, mas da democracia, na guerra contra o nazi-fascismo.
Com sua liderança levou uma Inglaterra hesitante para a guerra nos oceanos e no norte da África, acolheu voluntários das nações derrotadas, enfrentou os bombardeios aéreos, o risco da invasão, e, de 1939 a 1941, sustentou sozinho a guerra contra Hitler, enquanto as nações democráticas caiam sob o jugo nazista, e os EUA e a URSS mantinham suas posições de distanciamento do conflito.
Não fez campanha para a eleição de julho de 1945. Fazia “tournées” triunfais pelo país, onde era invariavelmente saudado como o grande líder e herói nacional. Na realidade, para o povo , aquelas manifestações não significavam apoio político, e sim o agradecimento pelos serviços que prestara à nação durante a guerra.
Churchill não soube entender o sentimento dos ingleses ao fim da guerra. Supôs que continuavam os mesmos de durante a guerra. Supôs que o povo continuava disposto a verter “sangue, sacrifícios, suor e lágrimas”, quando o que desejavam agora era recuperar-se do trauma da guerra, viver a vida com mais leveza. Queriam um governo que fosse tão sensível às suas necessidades sociais, quanto o governo de Churchill havia sido, na defesa da nação e na condução da guerra.
Churchill já havia conquistado seu lugar de honra no panteón da gloria da nação inglesa.
Mas eles sabiam que Churchill, um determinado membro do Partido Conservador, não lhes daria o que desejavam e precisavam. Sabiam que ele não estaria disposto a expandir o estado para atender a novas funções sociais.
Além de tudo, estavam cansados da guerra, da oratória de guerra, do interesse nacional vindo sempre em primeiro lugar, em relação aos interesses dos cidadãos. Para os novos tempos queriam outros líderes. Queriam líderes identificados com outras prioridades e outras políticas.Ora, os trabalhistas estavam ali, à espera, prontos por razões políticas e ideológicas a realizar aquelas expectativas e desejos.
A incapacidade de ler o pensamento do cidadão, quando o político goza de enorme popularidade, a quase unanimidade, como era o caso de Churchill, é muito comum na política, e costuma produzir desfechos inesperados (para o governante popular). Os políticos vitoriosos têm dificuldade de entender uma sutil mudança que ocorre nos sentimentos dos eleitores. Tendem a confundir a enorme popularidade que gozam com igual disposição para mantê-los no poder.
O fato é que todo o político, por maior que tenha sido o sucesso que alcançou no seu período de governo tem um “prazo de validade para o cargo que ocupa”.
Este prazo está escrito na cabeça do eleitor que, por estimá-lo, esconde, no princípio até de si mesmo aquele sentimento. O povo grato ao seu governante não quer magoá-lo, mas também não quer mais mantê-lo. Parece-lhe que está sendo ingrato, principalmente porque, como aconteceu com Churchill, para o político de grande aprovação popular, em muitos casos, é muito difícil reconhecer que há uma hora de sair.
Nixon chegou a desistir da política em 1962, para retornar triunfante e se tornar presidente dos EUA.
Sua insistência em continuar constrange o eleitor. Mas ao fim e ao cabo prevalece o fato de que a própria permanência no poder dá origem a um profundo desejo de mudança!
A derrota de Churchill, nesta eleição tornou-se o exemplo emblemático de que nenhuma vitória é definitiva na política, assim como nenhuma derrota. Alguns anos mais tarde Churchill retorna ao poder como primeiro ministro do governo.
Dia 6 de novembro de 1962. Na Califórnia, Nixon, tendo sido derrotado na eleição para o governo do estado, faz uma declaração, em entrevista coletiva, que também se tornou emblemática, anunciando que estava abandonando definitivamente a política.
Dirigindo-se aos jornalistas, em relação aos quais nutria grande ressentimento, declarou:
“Deixo-os agora, e vocês vão escrever isto. Mas quando eu os deixar, quero que pensem no quanto estão perdendo. Vocês não terão mais Nixon para se divertir, pois esta é a minha última entrevista para a imprensa...” .
A frase de Nixon, correu os EUA, e a cena gravada foi repetida por todas as estações de TV. Mais do que a derrota (a segunda em 2 anos), foi a pública manifestação do seu imenso ressentimento contra os jornalistas (mas também contra os eleitores), que sepultou a carreira política de Nixon. Sepultou? Apenas seis anos mais tarde seria eleito Presidente não porque tenha se atirado à disputa, mas por ter sido “convocado” por um sentimento coletivo que o queria na Presidência.
Nixon provou de sua parte, que nenhuma derrota é definitiva, mesmo quando o derrotado assim a declara.
Numa eleição democrática, por definição, a grande maioria das pretensões eleitorais é derrotada. Disputa-se, portanto, não apenas para ganhar o cargo, mas também para conquistar posições, tornar-se conhecido, formar ou preservar seu patrimônio político.
Há derrotas que parecem definitivas, quando acontecem. As derrotas de Churchill e de Nixon, recém descritas, são exemplos antológicos. Os próprios líderes derrotados as recebem como finais e definitivas, como o fim de uma carreira.
Não obstante, tanto Churchill como Nixon, assim como outros casos, passados alguns anos, foram reinstalados no poder pelo voto popular. Independentemente do que pensaram e sentiram, há um fator com o qual não contam no momento da derrota, mas que opera em seu favor: o tempo.
Se um político conseguiu ser conhecido por suas obras e por suas ideias, da maioria do eleitorado, e, se sua passagem pela vida pública foi intensa e produtiva, ele continuará sendo uma referência política e, conforme as circunstâncias, uma alternativa política. O tempo e o momento histórico têm o “mágico” poder de ressuscitar carreiras políticas que pareciam mortas, quando na verdade estavam em hibernação.
O tempo e o momento histórico têm o “mágico” poder de ressuscitar carreiras políticas que pareciam mortas.
Ocorreu com Nixon e Churchill, como ocorreu com De Gaulle e Mitterrand, com Perón e Getúlio. Houve o momento em que o povo os mandou para casa, e passados alguns anos, o povo foi buscá-los e os entronizou novamente no poder.
O tempo e as circunstâncias políticas podem operar este feito. A passagem do tempo e a decepção com as novas experiências fazem com que arestas deixadas sejam aparadas e se reconstrua uma imagem predominantemente positiva do líder. As circunstâncias políticas podem buscá-lo da hibernação e reposicioná-lo como uma alternativa para o momento.
Que a vitória também não é definitiva é mais fácil de entender. Numa democracia a eleição é sempre um chamado à renovação e à mudança. A reeleição, ou a continuidade político-administrativa de um governo ocorre, com maior freqüência, em duas situações:
1 - quando há uma aguda crise (econômica, política, ou militar), que vem sendo enfrentada energicamente pelo governo;
2 - quando o governo em exercício tem muito sucesso no seu desempenho, sobretudo naquelas questões mais priorizadas pela população.
No primeiro caso forma-se uma unidade em torno do governo que barra as divisões políticas. Primeiro há que resolver a crise, que é percebida como um desafio supra político. No segundo caso, é o temor de mudar para pior aquilo que está funcionando bem e satisfazendo a maioria, que então sustenta a pretensão da continuidade. Fora destas duas situações, a regra é a mudança no governo.
Esses dois exemplos de políticos de sucesso na Inglaterra e nos Estados Unidos, confirmam o princípio político que afirma:
“Na política nem a vitória nem a derrota são definitivas”
Por Fernando Ferraz