quarta-feira, 16 de junho de 2010

Erradicar o trabalho escravo é questão de humanidade.


Erradicar o trabalho escravo é questão de humanidade

Após tantos casos de opressão, após tantas libertações de trabalhadores em situação análoga à de escravo, já não é passada a hora de termos coragem e o devido rigor para enfrentarmos esses casos como uma violação de direitos humanos, que é exatamente o que eles significam.

Por José Nery*


Há cerca de dois anos, fui eleito presidente da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, que funciona no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. Desde então, temos conseguido a adesão de vários setores da sociedade na luta contra esta chaga social que tanta vergonha e indignação causa a todos nós, cidadãos de bem que sonhamos e lutamos por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Dentro dessa luta, consideramos fundamental a aprovação da PEC 438, que prevê a desapropriação de terras onde sejam encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravo. A despeito de todos no Congresso se dizerem contra o trabalho escravo, a PEC tem encontrado forte resistência na Câmara dos Deputados e por isso está parada desde 2004.

No dia-a-dia no Congresso, tenho me deparado com parlamentares que justificam essa demora por uma suposta imprecisão na definição do que seja situação análoga à de escravo. Esta tem sido uma questão colocada sempre que conversamos com parlamentares e empresários que ainda têm dúvidas sobre a pertinência de aprovar a PEC 438/2001. Para esses, é importante ressaltar que o artigo 149 do Código Penal já define com precisão o trabalho escravo. São três as possibilidades para que se configure o crime: jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição à liberdade, em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Os critérios, portanto, não são rasos como insistem alguns. Uma empresa onde todos tenham carteira assinada e não estejam sujeitos à jornada exaustiva (às vezes, de 15 horas diárias), tenham alojamentos decentes e possam deixar o emprego quando desejarem não se enquadra na categoria de trabalho análogo ao de escravo.

É preciso estar alerta para as tentativas de maquiar a realidade que, muitas vezes, têm o único objetivo de desqualificar o trabalho de combate do grupo móvel, formado por integrantes do Ministério do Trabalho e sempre acompanhado por um procurador que é o fiscal da lei.

Deve-se ressaltar que o confisco da propriedade será a última e mais extremada medida, depois de esgotados todos os procedimentos legais e administrativos em que o acusado terá amplo direito de defesa.

Ao se falar em necessidade de definição mais precisa do termo "trabalho escravo", meu temor é que se esteja apenas tentando fugir do verdadeiro debate, que é a necessidade de punir, com rigor e justiça, aqueles que insistem nessa lógica da servidão e da exploração como garantia de lucro e de competitividade de mercado.

Aqueles produtores rurais que seguem a lei nada têm a temer. Pelo contrário; além de uma violação dos direitos humanos, o trabalho escravo prejudica aqueles que atuam dentro da legalidade, já que coloca em risco a boa imagem do País perante a comunidade internacional com conseqüências altamente negativas para a nossa economia.

Por fim, não se pode ignorar que, apenas em 2008, já foram libertados quase 4 mil trabalhadores, dos quais 592 só no Pará. Diante desses números, devemos nos perguntar se, após tantos séculos de escravidão, após tantos outros de opressão, após tantas libertações de trabalhadores em situação análoga à de escravo, após a constatação de que os casos de trabalhadores escravizados só aumentam ano após ano; já não é passada a hora de termos coragem e o devido rigor para enfrentarmos esses casos como uma violação de direitos humanos, que é exatamente o que eles significam.

*José Nery (Psol) é senador pelo Pará


http://www.trabalhoescravo.org.br/