quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

‘MANDALA DA PROSPERIDADE’: CONHEÇA COMO FUNCIONA O NOVO ESQUEMA FINANCEIRO QUE USA DISCURSO FEMINISTA

No Brasil, a Mandala foi adaptada e apresenta proposta de ajuda mútua onde os participantes devem fazer “investimento” de R$100,00 (cem reais) através de depósitos realizados direto na conta do beneficiário integrante do esquema. Cada rodada o participante tem a promessa de receber 7 doações de R$100,00, totalizando ao final o montante de R$800,00 direto na sua conta bancária.
Origem da Mandala
O conceito de “empoderamento feminino” é a ideia de que é preciso informar mulheres sobre seus direitos e suas capacidades – e, assim, encorajá-las a superarem barreiras impostas pelo machismo estrutural na sociedade na vida pessoal e profissional.
É uma ideia que se popularizou com o aumento do interesse de mulheres pelo feminismo nos últimos anos, uma pauta que ganhou status de primeira importância. Com ela, vieram outras ideias, como a  “sororidade”, que encoraja a união e o apoio entre mulheres, por exemplo.
Esquema que promete prosperidade para as mulheres mistura símbolos e termos relacionados a feminismo e espiritualidade
Esses conceitos podem ser ferramentas poderosas para libertar mulheres de situações de opressão ou violência. Mas também podem ser apropriados e subvertidos para enganar mulheres. Estão sendo empregados, por exemplo, como marketing para um esquema semelhante ao de uma pirâmide financeira, conhecido como Tear da Abundância ou Mandala da Prosperidade.
Camuflado sob discursos que envolvem ideias sedutoras – mulheres unidas em torno do propósito de se ajudar, conceitos de espiritualidade new age e a ideia de realização de sonhos e de ruptura com o sistema econômico tradicional -, a Mandala da Prosperidade promete fazer o dinheiro doado pelas participantes “se multiplicar” através do poder do “sagrado feminino”.
Os relatos das mulheres envolvidas na “Mandala” dão conta de que elas colhem também os benefícios emocionais e psicológicos de participar de um grupo de ajuda mútua. Mas no aspecto financeiro, a conta não fecha: o modelo matemático do sistema deixa claro que a maior parte das mulheres envolvidas sairá prejudicada financeiramente no final.

Como funciona

O sistema que promete “multiplicar” o dinheiro das participantes, já popular na América Latina, na Europa e nos EUA, vem ganhando adeptas no Brasil nos últimos dois meses principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Por esse motivo, a maioria das informações sobre o esquema ainda não tem tradução para o português e só está disponível em inglês ou espanhol.
Geralmente, as mulheres são convidadas por amigas e conhecidas que já se identificam com os conceitos do feminismo e têm algum tipo de envolvimento com grupos de espiritualidade que se inspiram em filosofias orientais ou pagãs, como hinduismo, wicca, yoga e hare krishna, entre outros exemplos.
“O ‘TEAR’ É UMA MANEIRA DE ATINGIR CRESCIMENTO PESSOAL, REMOVER BLOQUEIOS INTERNOS À MANIFESTAÇÃO DE ENERGIAS E PARTICIPAR DE UM CAMINHO PARA O EMPODERAMENTO PESSOAL QUE NOS ENSINA A APOIAR UMAS ÀS OUTRAS EM VÁRIOS NÍVEIS.”
Descrição em um dos documentos informativos sobre a ‘Mandala da Prosperidade’
Elas são encorajadas a entrar no esquema sob a promessa de um investimento com alto retorno em pouco tempo: devem doar o equivalente a US$ 1.700 para a mulher no centro do esquema e, depois de alguns meses, receberão de volta 8 vezes esse valor.
O discurso tem como alvo mulheres bem-sucedidas, sob o mote de que a “Mandala da Prosperidade” é um “grupo de ajuda mútua” para contornar as desvantagens que o patriarcado impõe sobre a vida financeira e emocional das mulheres.
A promessa é de que a união da “energia feminina” de todas as mulheres do grupo é capaz de ser canalizada para trazer prosperidade financeira, permiti-las realizar seus sonhos e libertá-las das amarras financeiras impostas pela socidade machista. Para isso, é preciso reunir 15 mulheres no total, que se organizam num sistema hierárquico de acordo com sua ordem de chegada no grupo.

A mecânica da ‘Mandala da Prosperidade’


Entenda a sequência

Novatas
As mulheres na parte externa do círculo (verde) são as recém-convidadas ao grupo. Elas devem doar US$ 1.700 para a mulher no centro do círculo. As intermediárias não investem nada.
Mandala se ‘fecha’
Uma vez que isso acontece, a mulher no centro do círculo atinge o objetivo sai do esquema, ao menos temporariamente. A mandala se divide em duas novas.
A nova hierarquia
Todas as outras faixas “sobem de nível”. Agora, as mulheres que doaram na última mandala precisam convencer duas mulheres cada a entrarem em seu grupo e doarem US$1.700 para a mulher no centro do círculo. É a única maneira de garantir que, dali algumas fases, elas mesmas estejam no centro de uma mandala e recebam o lucro prometido.
A ‘reciclagem’
Uma vez que as mulheres do centro recebem o lucro e saem da mandala, voltam para o esquema mais duas vezes no futuro fazendo parte de duas novas mandalas. Elas lucram novamente. Essas mulheres também são encorajadas a emprestar dinheiro para mulheres que querem participar da mandala e não podem por falta de recursos: o dinheiro deve ser devolvido com juros de até 100%, de acordo com relatos.

Por que a conta não fecha

O esquema da “mandala da prosperidade” guarda muitas semelhanças com o das pirâmides financeiras, que são proibidas no Brasil.
Elas prometem altos ganhos financeiros, mas acabam beneficiando apenas alguns indivíduos no topo da pirâmide, os que começaram o esquema – e lesam a maioria que está na base.
Além disso, é desnecessário dizer que se alguém ganha mais dinheiro do que colocou no esquema e esse dinheiro vem de outras mulheres, é preciso cada vez mais dinheiro para sustentar o retorno de todas que participam – e alguém vai ser prejudicado.
A principal diferença entre as pirâmides tradicionais e a “Mandala” é que a segunda não forma uma única pirâmide gigantesca. Esse esquema encoraja a formação de um sem-número de pequenas pirâmides, de no máximo 15 pessoas, e uma vez que a mulher no topo dela recebe o valor prometido – oito vezes o que ela doou – precisa sair do esquema e dar lugar a outras, ao menos naquela mandala.
A “Mandala” esbarra na mesma limitação das pirâmides financeiras: para que todo mundo se beneficiasse, sem perdas na base – ou nas bases, no caso das múltiplas pirâmides do “Mandala” – seria necessário que a população da Terra fosse infinita.
O MODELO TEM UM ASPECTO MAIS PERVERSO DO QUE AS PIRÂMIDES TRADICIONAIS, PORQUE SE VENDE COM UM DISCURSO QUE PODE CONQUISTAR PESSOAS BEM INTENCIONADAS
O colapso matemático desse tipo de esquema é inevitável, já que para cada mulher que deve receber o lucro prometido, é preciso conseguir oito novas mulheres dispostas a doar. O crescimento é em projeção geométrica.
O modelo tem um aspecto mais perverso do que o das pirâmides tradicionais, porque vende um discurso de união e ajuda mútua que pode conquistar pessoas bem intencionadas – e fazer com que elas não enxerguem que o sistema, inevitavelmente, prejudicará alguém em algum momento.
Além disso, as mulheres no centro não investem dinheiro nenhum – pelo menos é o caso nas primeiras mandalas formadas nas três primeiras fases, aquelas que surgiram independentemente, e não a partir de subdivisões de mandalas anteriores. Quanto mais gente é envolvida na “Mandala”, mais gente é prejudicada financeiramente, de acordo com o modelo matemático no qual o sistema se baseia.
Por isso mesmo, em outros países da América Latina em que o esquema está estabelecido há mais tempo, como Peru, há denúncias de mulheres prejudicadas e já foram instauradas investigações oficiais para averiguar o sistema. No México, a revista “Vice” fez uma reportagem sobre mulheres prejudicadas pela “Mandala”.

Pirâmide x ‘gifting circle’

O modelo da “Mandala” é conhecido em inglês como “gifting circle”, ou “círculos de doação”. Uma análise matemática feita pela consultora em sustentabilidade Amber Bieg, que foi convidada para o “Mandala”, concluiu que depois da terceira fase do esquema, apenas 12% das mulheres envolvidas no sistema lucram – os outros 88% perdem definitivamente o dinheiro que doarem e não recebem o valor prometido.
“São as mulheres tímidas, que têm menos tempo ou uma rede de contatos menor que acabam perdendo dinheiro [por não conseguirem levar mais mulheres para o esquema]”, explica Bieg na análise referindo-se ao fato.
Além disso, o fato de haver um discurso que usa recursos emocionais para seduzir mulheres ajuda a fazer com que elas acabem pedindo dinheiro emprestado, gastando economias ou vendendo itens de valor para participar.

Os perigos do discurso

A “Mandala” conta com uma série de recursos narrativos que têm como objetivo convencer mulheres bem-sucedidas e com boa formação a participar de um esquema que é fadado ao colapso matemático.
As representações visuais do material usado para cooptar mulheres para a “Mandala da Prosperidade” usam formas circulares – até o nome, “mandala”, evoca o conceito de “ciclo”. Essa argumento é usada por muitas das defensoras do esquema para afastar as comparações com uma pirâmide – “pirâmides são triângulos, a mandala é circular”.
No entanto, trata-se apenas de uma representação visual, puramente estética. As nomenclaturas também embarcam em uma onda new age: as hierarquias são batizadas com nomes de elementos do planeta (“mulher água”, “mulher fogo”, “mulher ar” e “mulher terra”) e a ideia de que as mulheres passam por “todos os elementos” antes de “chegarem ao centro”.
Conceitos e termos ligados a filosofias que cultuam o ‘sagrado feminino’ são usadas pelo sistema para atrair mulheres que se identificam com espiritualidade e feminismo
Outros termos usados recorrentemente são “abundância infinita” e “economia circular”, que conceitualmente ajudam a reforçar a ideia de que o esquema é sustentável.
Mulheres que participam da mandala são encorajadas a não falar publicamente do esquema e convidar apenas mulheres em quem confiam. Até o vídeo e o material que divulgam a mecânica do sistema são protegidos por uma senha.
Em alguns casos, mulheres que levantam dúvidas sobre o esquema são acusadas de “bloquear a energia da mandala” e “impedir que ela se complete”. É o caso da atriz e youtuber Sheilly Caleffi, que foi convidada a participar de uma mandala e fez um vídeo explicando a inconsistência do modelo.
Depois de publicar o vídeo no Facebook, ela recebeu milhares de mensagens – algumas de apoio, mas muitas ameaças e ofensas. “Elas dizem que a mandala serve para ‘curar nossa relação com o dinheiro’. Quando me manifestei explicando o colapso do modelo, me disseram que eu ‘não conhecia o amor da deusa’ e que meu coração está ‘muito duro e infeliz”, contou ao Nexo. Para ela, o uso de um discurso que envolve conceitos de amor ao próximo e generosidade é um dos aspectos mais cruéis da “Mandala da Prosperidade”.
“[QUEM SE ENVOLVE] SÃO PESSOAS DO MOVIMENTO FEMINISTA E EM SITUAÇÃO [EMOCIONALMENTE] FRÁGIL, QUE USAM AS ‘MANDALAS’ COMO GRUPO DE AJUDA. MAS O SISTEMA FAZ COM QUE VOCÊ COMECE A VER TODO MUNDO COMO UM PRODUTO. EU SOU ESPIRITUALIZADA E ISSO É TERRÍVEL PARA TODOS NÓS – O QUE ESSAS MENINAS VÃO LEVAR PARA O MUNDO, PARA PESSOAS QUE ELAS NÃO CONHECEM? QUANDO EXPLODIR, NÃO VAI SER PARA ELAS.”
Sheilly Caleffi
Atriz
A terapeuta holística Bebel Clark, responsável por grupos de espiritualidade que usam o conceito de “sagrado feminino” como filosofia, fez uma declaração pública sobre a “Mandala” em que alerta mulheres sobre os perigos do sistema.
“CUIDADO COM A INOCÊNCIA QUANDO SE COLOCA O TEMA ‘DINHEIRO’ EM QUESTÃO, MINHAS IRMÃS! AINDA MAIS NESSE FORMATO PIRAMIDAL. NO CAMINHO DO SAGRADO FEMININO E NA VIDA, APRENDAM A OBSERVAR E AGUÇAR SEU FARO, É SOMENTE ISSO QUE EU PEÇO. SENSO DE PRESERVAÇÃO. SABER ESCUTAR O CORAÇÃO É A MAIOR LIÇÃO QUE TEMOS NESTA TRAJETÓRIA DE CURA COLETIVA.”
Bebel Clark
Terapeuta holística, sobre a ‘Mandala da Prosperidade’

Participante defende benefícios

Os impactos financeiros indesejáveis do modelo da “Mandala da Prosperidades” são incontestáveis – é matemática pura. No entanto, algumas mulheres defendem que a parte de “multiplicar dinheiro” não é o foco do modelo.
A coaching de autoestima e facilitadora em desenvolvimento humano Gabriellle Picholari foi convidada por três amigas diferentes para o sistema. Ela o define como uma rede de apoio mútuo entre mulheres. “É uma troca de afeto, conhecimento e empatia [entre mulheres]. Forma uma infraestrutura em que mulheres se sentem mais fortes e por isso gera um impacto social. A questão financeira é só um resultado dessa abundância de trocas”, disse em entrevista ao Nexo.
Para ela, a mandala é uma oportunidade de experimentar novos modelos de gestão financeira, que “rompam paradigmas”. Picholari relata o vínculo emocional que as mulheres que participam de uma mandala criam entre si, o que resulta em apoio emocional e até financeiro – paralelo ao esquema da mandala.
“O ÚNICO TERMO QUE EU ENCONTRO PARA DESCREVER [A MANDALA] É ‘ECONOMIA CIRCULAR’, UM SISTEMA DE ‘MULTIMOEDA’: [AS MOEDAS SÃO] A CULTURA TROCADA PELAS PESSOAS DENTRO DA REDE, A INFRAESTRUTURA DE APOIO QUE TODAS RECEBEM E TODO O CAPITAL SOCIAL QUE É GERADO NESSA INTERAÇÃO.”
Gabrielle Picholari
Participante de uma mandala
Picholari e outras mulheres que participaram de reuniões do esquema indicaram o nome de uma mulher, conhecida como “Irmã maior”, apontada como a cabeça das mandalas integradas por elas. O Nexo entrou em contato e obteve dela a seguinte resposta: “por mim, está bom usar a fala da Gabi Picholari. Se seu interesse for além do jornal, você é muito bem vinda a fazer parte! Muito amor & luz.”
Informações são do nexojornal