quarta-feira, 19 de agosto de 2015

SOMOS BONS PARA PROTESTAR E COVARDES PARA AGIR

Temos muita dificuldade em transformar um protesto em um projeto de vida comum. Por quê? Dentre outras, três razões se destacam: (a) os interesses mais duradouros de todos que vão para as ruas não são idênticos; (b) somos muito personalistas e (c) praticamente tudo, inclusive as coisas muito sérias, levamos para o campo da carnavalização (Empoli, Hedonismo e medo). A mídia internacional enfocou os protestos de 16/8/15 como uma festa: “as manifestações ocorreram em clima de festa”; “uma atmosfera de carnaval caracterizou as marchas” (Financial Times); “as manifestações foram bem humoradas” (The Guardian); “o ambiente foi carnavalesco” (CNN).[2]
Nosso personalismo é herança ibero-americana (como diz S. B. De Holanda, Raízes do Brasil): “O índice do valor de um humano infere-se, antes de tudo, da extensão em que não precise depender dos demais, em que não necessite de ninguém, em que se baste”. Vemos as ruas lotadas, bandeiras e protestos por todos os lados, mas não temos um projeto comum de comunidade. “Cada qual é filho de si mesmo, de seu esforço próprio, de suas virtudes – e as virtudes soberanas para essa mentalidade são tão imperativas, que chegam por vezes a marcar o porte pessoal e até a fisionomia dos humanos” (Holanda, cit.).
Do nosso acentuado personalismo resulta “largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida” (Holanda, cit.).
O povo brasileiro indignado, com dificuldade, consegue se aglomerar e até mesmo se unir em torno de algumas causas públicas (“Fora Dilma”, “Fora PT”, “Fim da corrupção”), mas sempre com a cabeça voltada para as mais visíveis, que precisam ser atacadasnão há dúvida, embora constituam somente o lado externo (mais perceptível) do problema. Vemos o cisne nadando, elogiamos sua elegância, sua cabeça ágil, sua versatilidade, mas não conseguimos enxergar (nem valorizar) as duas patas que estão debaixo d’água trabalhando ardorosamente para a promoção dos seus movimentos. Para o aspecto do esforço e do invisível é que não voltamos nossa atenção, a não ser raramente.
Com pensamentos lineares (frequentes), temos muita dificuldade para ver todos os ângulos das questões (e dos problemas). Quase sempre queremos um atalho (que nos permita o conforto de acharmos que já dominamos a situação). Adoramos ver apenas metade da realidade. O buraco do Brasil, no entanto, não reside apenas naquilo que é visível (no governo e nos políticos de cada momento, invariavelmente corruptos em maior ou menor grau), senão, sobretudo, naquilo que está por trás (que é um sistema de dominação extrativista, parasitário e largamente criminoso, estando aí a Lava Jato para comprovar que nossa acusação não é leviana).
[1] Cf. Valor Econômico 14/8/15: C1.