Não há novidade nenhuma em afirmar
que os meios de comunicação no Brasil são extremamente concentrados nas mãos de
algumas poucas famílias. A surpresa que nos atinge está em saber que é
justamente o dinheiro público do governo federal e dos governos estaduais e
municipais o principal patrocinador dessa concentração.
No caso do
governo federal é a Secretaria de Comunicação Social (SECOM) da Presidência da
República, dirigida pela ministra Helena Chagas, a responsável por esse repasse
de verbas para os grandes meios de comunicação. Nesse momento alguém poderia se
perguntar: “Mas Helena Chagas, aquela jornalista da Globo?” Sim, a
própria.
Esse repasse
de verbas da SECOM é a principal fonte de sobrevida dos grandes meios de
comunicação no Brasil. Para termos uma ideia do montante, apenas em 2012 cerca
de R$ 10,8 bilhões foram repassados para os quatro grandes canais de televisão: Globo, Record, SBT e Band,
sendo que 70% dessas verbas foram repassadas apenas para a Rede Globo.
Outro exemplo
costumeiro é o da Editora Abril – responsável pela revista (semanal de
ultradireita)Veja, entre outras – no Estado de São Paulo. Os
paulistanos sabem que há anos o seu governo estadual vem patrocinando
fortemente a editora da família Civita sem que haja qualquer transparência
sobre as vantagens que tal parceria traz para o bem público. A coincidência
entre a linha editorial da Abril e o programa político do partido que dirige o
governo de São Paulo não parece ser fruto do acaso.
O interesse público
depende da diversidade de fontes para a produção da informação. Uma sociedade
que possui apenas poucas possibilidades de acesso a novos conteúdos torna-se
refém sem sequer saber que suas mãos estão acorrentadas. É necessário que haja
fontes diversas e plurais para que possamos confrontá-las e produzirmos nossas
próprias opiniões.
No entanto, se
por um lado os governos não manifestam desejo em alterar a estrutura da
comunicação no país,
por outro lado os movimentos sociais e a sociedade civil subalterna começam a
reivindicar mudanças estruturais que venham de baixo para cima. Aí estão os
exemplos dos milhares de jornais de bairros, rádios e tvs comunitárias e blogs
alternativos que surgem diariamente. A indignação com as narrativas
monocórdicas materializam-se assim nas mídias alternativas. E essas mídias
alternativas querem recursos para sobreviver e cobram justa e legitimamente que
mudanças sejam feitas nas prioridades dos governos.
O
debate no Congresso Nacional
Na Câmara dos
Deputados o debate sobre a necessidade do financiamento para a mídia alternativa tem ocorrido na
Subcomissão Especial da Câmara dos Deputados sobre Mídia Alternativa presidida
pela deputada federal Luciana Santos (PCdoB-PE). A subcomissão funciona no
âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática desde
dezembro de 2011 e ao longo desse período ouviu uma série de especialistas
sobre o tema. O relatório final dos trabalhos da subcomissão foi aprovado em 13
de novembro de 2013 e agora será transformado em projeto de lei para seguir em
votação no plenário da Câmara dos Deputados.
O relatório
final apresentado pela deputada Luciana Santos é formado por 17 itens que, em
síntese, afirmam ser responsabilidade do governo federal e de suas agências o
fomento das mídias alternativas e a pluralidade e diversidade na distribuição
das verbas oficiais de publicidade. De forma concreta o relatório propõe que
20% da publicidade oficial do governo federal sejam apenas para a mídia
alternativa.
Brasília
dá o primeiro passo
Brasília deu
na semana passada o primeiro grande passo no sentido de democratizar o
financiamento da mídia alternativa. A Proposta de Emenda à Lei Orgânica 51/2013
indica que 10% das verbas de publicidade dos poderes locais deverão ser
repassados para veículos da blogosfera e da imprensa comunitária.
A proposta da
deputada distrital Luzia de Paula (PEN) foi aprovada por unanimidade na Câmara
Legislativa do Distrito Federal e será aceita com tranquilidade pelo governador
Agnelo Queiroz (PT).
No
Rio de Janeiro proposta está na ALERJ
No Rio de
Janeiro a deputada estadual Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ) apresentou na
Assembleia Legislativa no dia 23 de maio de 2013 o projeto de lei nº 2248/2013.
A proposta da deputada comunista é a de que 20% da publicidade oficial do
governo do Estado do Rio de Janeiro seja destinado à mídia alternativa como
jornais comunitários, rádios e Tvs comunitárias e blogs.
Mas no Rio de
Janeiro a proposta já indica que encontrará maiores obstáculos. Na semana
seguinte à apresentação do PL na ALERJ, o gabinete da deputada Rejane recebeu a
visita de advogados da Editora Abril para apontar o descontentamento da família
Civita com a redistribuição das verbas para a mídia alternativa.
Ao contrário
de Brasília que é governada por um histórico militante da esquerda, o Rio de
Janeiro possui como governador o peemedebista Sérgio Cabral. E as boas relações
de Cabral com a mídia carioca são bem conhecidas. Não passa pela cabeça de
ninguém imaginar que Cabral permitirá que sua base na ALERJ aprove facilmente o
PL 2248/2013.
Da
revolução silenciosa para a revolução barulhenta
Aprovar
mudanças na distribuição da publicidade oficial dos governos não é pouca coisa.
No dia em que jornais de bairros, blogs, rádios e Tvs comunitárias passarem a
receber uma parte do bolo, uma grande mudança se iniciará em nossa sociedade.
Uma mudança de sotaque, uma mudança de cor, uma mudança de cultura. Uma nova
narrativa de baixo para cima emergirá e verdades que hoje são absolutas
passarão a ser contestadas. A revolução silenciosa passará então a ser
barulhenta. Esse dia chegará.
Theófilo
Rodrigues é
cientista social e coordenador da seção fluminense do Centro de Estudos da
Mídia Independente Barão de Itararé.