Ironia da história: quanto mais os governos Lula e
Dilma tenham evitado tomar medidas fortes, fugindo de possíveis rupturas, para
democratizar a comunicação, mais o desenrolar do processo político tem colocado
diante deles oportunidades e desafios novos para avançar nesta área em que o
campo popular leva uma surra por dia das elites. Em 2003, em crise, a Globo
Cabo bateu às portas do BNDES em busca desesperada de recursos para safar-se de
sua má administração. Nossa proposta, na época, apresentada numa Audiência
Pública para discutir especificamente aquela crise, na Comissão de Ciência,
Tecnologia e Comunicação da Câmara Federal, foi de que o banco público, sim,
aportasse recursos públicos, mas não na forma de empréstimos, mas tornando-se
acionista da empresa dos Marinho. Na época, o governo declarara que “a crise da
Globo era uma questão de estado”.
Lamentavelmente, a situação de debilidade da
empresa não foi aproveitada pela via de uma medida democrática que colocasse
mais presença do estado para impedir irresponsabilidades praticadas na
administração de uma concessão de serviço público de televisão. Oportunidade
perdida.
Por mais que a SECOM, com
marcada presença de mentalidade tucana em seus quadros, mantenha intacta a
dívida informativo-cultural contra os brasileiros e por mais que o Ministro das
Comunicações, utilize-se das Páginas Amarelas da Veja para desrespeitar uma
história de lutas e a militância de seu próprio partido, defendendo ali o
privilégio dos magnatas da mídia, surge agora, inesperadamente, nova
oportunidade para o governo Dilma recuperar democraticamente para a legalidade,
a concessão de TV nas mãos da REDETV. Em completo desacordo com a legislação,
os concessionários deste canal foram denunciados vigorosamente pelo Sindicato
dos Radialistas de São Paulo por violar leis previdenciárias, trabalhistas,
tributárias, a Constituição e as próprias normativas do Minicom. Mesmo assim, a
empresa que dirige a REDETV continua recebendo recursos publicitários da SECOM,
o que configura conivência com as irregularidades denunciadas.
O Sindicato dos Radialistas
de SP, que denuncia e comprova as irregularidades, vai além e pede ao Governo
que casse a concessão da REDETV. Vale lembrar, na triste memória de um rol
infindável de irregularidades que marcam a comunicação no Brasil, que esta
crise neste canal se arrasta desde 1992, Naquela altura, quando um colapso
trabalhista, tributário, administrativo e financeiro envolveu a então TV
Manchete, Leonel Brizola, governador do Rio, e a Cut, candidataram-se a dirigir
a concessão de televisão, que hoje é a REDETV. O governo federal de então
preferiu, como a SECOM hoje, não alterar os privilégios que magnatas da mídia
têm no Brasil desde que aqui se instalou a televisão. A concessão foi entregue
a um grupo empresarial que manteve todas as irregularidades que conduziram à
crise da então Rede Manchete, irregularidades logo transferidas para o grupo
concessionário atual, que as prorrogou até hoje. O que irá diferenciar a
conduta da SECOM de administrações passadas? Eis aí a nova oportunidade.
De um governo progressista
espera-se, no mínimo, que impeça lesão de recursos públicos e utilize suas
prerrogativas legais, entre elas a intervenção temporária
na REDETV, até que seja democraticamente discutida com a sociedade, via
Congresso, nova destinação para a concessão pública do canal. Condição
inarredável: cumprimento rigoroso da Constituição. Especialmente na linha do
artigo da Carta Magna, que prevê a complementaridade entre os sistemas público,
privado e estatal de comunicação. Eis aí a nova oportunidade para saldar, pelo
fortalecimento da missão pública em uma área eminentemente pública que é a TV,
a gigantesca dívida informativo-cultural que se formou, por décadas e décadas,
contra o povo brasileiro.
Por Beto Almeida Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.