Joseph Fouché viveu todo o processo da Revolução Francesa, tal como Talleyrand, e sobreviveu até a restauração. Sua vida não é um exemplo de virtude, mas nos faz refletir sobre o elemento essencial da política: o que os homens fazem - e o que talvez sejam forçados a fazer -, em alguma medida, pelo poder. No Brasil, temos traduzida a magnífica biografia que lhe foi dedicada por Stefan Zweig. Boa leitura, ainda que perigosa.
Em 1792, Fouché foi eleito para a Convenção Francesa, pelos burgueses de Nantes. Era um moderado, mas à última hora votou pela morte do Rei e foi o mais radical dos comissários jacobinos, recebendo, por seu fervor revolucionário à frente do pro-consulado, a sugestiva alcunha de "carniceiro de Lyon". Dois anos depois, foi um dos maestros, se não o principal deles, do 9 Termidor e do fim de Robespierre. Depois de algum tempo no ostracismo, em que tratou de enriquecer, tornou-se embaixador e ministro da polícia do Diretório, conduzido por Barras, a quem depois trairia. Neste período, fecha em definitivo o clube dos jacobinos, do qual fora presidente.
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Para Napoleão Bonaparte, Fouché era o "único e verdadeiro traidor" |
Entre a lealdade e a astúcia, Joseph Fouché sempre preferiu a segunda
O que nos pode ensinar a lembrança de um homem como este, a quem Napoleão chamou de "o único e verdadeiro traidor"? A resposta é simples: ele foi um gênio da política prática. Zweig o chamou de "o mais insólito de todos os homens políticos" e Balzac o considerou a personalidade psicologicamente mais interessante de seu século. Não deixou contribuição intelectual alguma à literatura política; já à morte, ordenou que jogassem à fogueira suas cartas e memórias; não era pródigo em discursos. Sua obra foi a capacidade de sobreviver nos caminhos tortuosos da Revolução Francesa.
Fouché parece sempre ter sabido que não passava de quimera aquela que pareceu ser, aos pósteros, um dos maiores legados da revolução: a descoberta das ideologias. Sabia, sem recorrer aos clássicos, aquilo que Maquiavel já dissera sobre a flexibilidade dos homens e a instabilidade dos estados da história. Cabia ao político manejar com destreza os acontecimentos, evitar lealdades precipitadas, antecipar os fatos de modo a perceber o que ainda não aparece a luz do dia. Fez isto como ninguém.
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O general Lazare Carnot: diálogo áspero |
"E agora, para onde devo ir, traidor?".
Ao que responde Fouché:
"Para onde quiseres, imbecil".
Entre a lealdade e a astúcia, sempre ficou com a segunda.
Talleyrand dizia dele:
"Fouché só despreza tanto aos homens por que conhece bem a si próprio".
A frase é boa, mas possivelmente equivocada. Fouché conhecia bem os homens, e os tratou de acordo.
Fernando Schüler