quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fouché e a arte da política

Todo político ou pretendente a uma carreira na área deveria ater-se por um momento à biografia de Joseph Fouché, personagem que encarna como poucos as virtudes e desgraças do jogo do poder 
Joseph Fouché viveu todo o processo da Revolução Francesa, tal como Talleyrand, e sobreviveu até a restauração. Sua vida não é um exemplo de virtude, mas nos faz refletir sobre o elemento essencial da política: o que os homens fazem - e o que talvez sejam forçados a fazer -, em alguma medida, pelo poder. No Brasil, temos traduzida a magnífica biografia que lhe foi dedicada por Stefan Zweig. Boa leitura, ainda que perigosa.

Em 1792, Fouché foi eleito para a Convenção Francesa, pelos burgueses de Nantes. Era um moderado, mas à última hora votou pela morte do Rei e foi o mais radical dos comissários jacobinos, recebendo, por seu fervor revolucionário à frente do pro-consulado, a sugestiva alcunha de "carniceiro de Lyon". Dois anos depois, foi um dos maestros, se não o principal deles, do 9 Termidor e do fim de Robespierre. Depois de algum tempo no ostracismo, em que tratou de enriquecer, tornou-se embaixador e ministro da polícia do Diretório, conduzido por Barras, a quem depois trairia. Neste período, fecha em definitivo o clube dos jacobinos, do qual fora presidente. 

Para Napoleão Bonaparte, Fouché era o "único e verdadeiro traidor"
 No 18 Brumário, conspirou com Napoleão, a quem serviu como ministro por 10 anos e de quem recebeu o ducado de Otranto. Ainda no Governo dos 100 dias, foi ministro, mas soube bem negociar a abdicação de Napoleão após Waterloo. Transformado, no breve hiato pós-napoleônico, em Presidente do Diretório Francês, conspirou com os Bourbon pelo retorno de Luis XVIII. O preço: o Ministério. Último representante da revolução no governo da restauração, isolado pela lembrança de seu voto pelo regicídio, 23 anos antes, acaba banido da França em 1816. Termina seus dias exilado, rico e solitário, em dezembro de 1820.

Entre a lealdade e a astúcia, Joseph Fouché sempre preferiu a segunda 

O que nos pode ensinar a lembrança de um homem como este, a quem Napoleão chamou de "o único e verdadeiro traidor"? A resposta é simples: ele foi um gênio da política prática. Zweig o chamou de "o mais insólito de todos os homens políticos" e Balzac o considerou a personalidade psicologicamente mais interessante de seu século. Não deixou contribuição intelectual alguma à literatura política; já à morte, ordenou que jogassem à fogueira suas cartas e memórias; não era pródigo em discursos. Sua obra foi a capacidade de sobreviver nos caminhos tortuosos da Revolução Francesa.

Fouché parece sempre ter sabido que não passava de quimera aquela que pareceu ser, aos pósteros, um dos maiores legados da revolução: a descoberta das ideologias. Sabia, sem recorrer aos clássicos, aquilo que Maquiavel já dissera sobre a flexibilidade dos homens e a instabilidade dos estados da história. Cabia ao político manejar com destreza os acontecimentos, evitar lealdades precipitadas, antecipar os fatos de modo a perceber o que ainda não aparece a luz do dia. Fez isto como ninguém.

O general Lazare Carnot: diálogo áspero
 Seguia, como princípio, a idéia de somente aderir de fato a uma certa posição política quando o jogo já estava decidido. Durante o jogo: a ação. Intensa, frenética, mas nunca frontal. No 18 Brumário, aderiu abertamente a Napoleão apenas na noite do golpe, quando a cavalaria do general já havia evacuado Saint-Cloud. No julgamento do Rei, mudou de voto na madrugada do dia 15, quando os movimentos subterrâneos na gélida Paris já prenunciavam o regicídio. Na Restauração, traiu o Diretório e a República, pela mão de Talleyrand, quando ainda ocupava a Presidência. Na undécima hora, descoberto o golpe, Carnot ataca-lhe encolerizado:


"E agora, para onde devo ir, traidor?".
Ao que responde Fouché:
"Para onde quiseres, imbecil".
 
Entre a lealdade e a astúcia, sempre ficou com a segunda.
Talleyrand dizia dele:

"Fouché só despreza tanto aos homens por que conhece bem a si próprio".
A frase é boa, mas possivelmente equivocada. Fouché conhecia bem os homens, e os tratou de acordo.

Fernando Schüler