Em 22 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a detenção de Luiz Inácio Lula de Silva pelo menos até 4 de abril, quando será retomada uma sessão interrompida a pedido dos 11 magistrados da Casa.
O tema em debate: decidir se o ex-presidente pode apelar em liberdade perante as máximas cortes do país de uma sentença de 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, já confirmada em segunda instância.
No dia seguinte, 23, um procurador de Brasília pediu, e conseguiu, a libertação de um suposto ladrão de carros em detenção provisória, citando um "Princípio Lula".
"É um assunto que transcende o ex-presidente
Lula", ressaltou.
"Se essa regra vale para o ex-presidente Lula, de que
ele não pode ser preso por qualquer atraso da Justiça, este princípio deve
valer para todos", alegou o procurador Valmir Soares Santos.
Agora, porém, a questão de fundo no STF é o debate sobre a
possibilidade de iniciar a execução de uma condenação, após se esgotarem os
recursos de segunda instância. O STF estabeleceu essa jurisprudência depois de
uma votação de 2016, por 6 a 5, um resultado idêntico ao que concedeu a Lula o
"salvo-conduto" até 4 de abril.
E, se essa maioria a favor de Lula se confirmar, será
"uma indicação importante de que a maioria do plenário mudou de lado e os
demais presos em decorrência de condenação em segunda instância poderiam entrar
com um pedido, no STF, para que o entendimento seja aplicado a eles
também", afirmou Felipe Seligman, sócio do portal de informações judiciais
Jota.
"Mas a análise de cada caso é individualizada",
disse à AFP.
Para o juiz Sérgio Moro, uma sentença favorável a Lula e
uma revisão eventual da norma de 2016 "seria um desastre muito grande,
porque levaria à impunidade, especialmente dos poderosos", como declarou
na semana passada no programa Roda Viva, da TV Cultura.
"É um assunto que transcende o ex-presidente
Lula", ressaltou.
Encarceramento,
ou solturas em massa?
Moro lembrou que apenas em sua corte há 114 condenações
que foram confirmadas em segunda instância e que "a grande maioria dos 114
não tem nada a ver com a Lava-Jato, tem traficante, tem até pedófilo, tem
doleiros".
Um discurso alarmista,
segundo José Roberto Batochio, um dos advogados de Lula, que recorda que o Código Penal Brasileiro exclui a liberação
de pessoas que se encontrem em prisão preventiva por sua periculosidade.
"Temos que reservar o encarceramento aos casos de
estrita necessidade, de absoluta inexorabilidade", disse Batochio à AFP.
O advogado adverte que o Brasil tem a segunda maior
população carcerária do mundo, com 726.000 presos, e que a adoção de um sistema
jurídico como o americano, de execução rápida das penas, constituiria uma
ameaça para a democracia e pioraria a desastrosa situação dos presídios do
país.
"Não regredirmos na direção da Idade Média, dos
aprisionamentos em massa praticados pelos americanos, pela URSS, agora aqui no
Brasil", afirmou.
O professor de Direito Público Ivar Hartamnn, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV-RJ), acredita, porém, que o sistema judiciário brasileiro
oferece muitos recursos internos e que, por isso, "não há necessidade de
se esperar uma revisão na quarta instância", antes de dar cumprimento a
uma condenação.
É por isso que uma sentença favorável a Lula e, mais
ainda, uma eventual revisão da norma de 2016 teriam "um impacto negativo
na capacidade de processar e de executar decisões no Direito Penal
brasileiro", disse Hartmann à AFP.
Lava-Jato
'sem poder de fogo'
Moro e os procuradores da Lava-Jato alertam sobre o risco
de que uma revisão das normas de execução da pena prejudique a maior
investigação de corrupção do Brasil, que revelou uma trama de subornos entre
grandes construtoras e políticos, tendo a Petrobras como base.
"Uma decisão favorável a Lula no STF, caso ocorra,
representará uma mudança importante na jurisprudência do tribunal. E, para os
investigadores da Lava-Jato, representa, sim, uma derrota", afirmou Felipe
Seligman, do Jota.
E isso se deve, justamente, a que "parte do sucesso
da operação está ligada a uma capacidade de encarceramento dos
envolvidos", sem a qual perderia "seu poder de fogo", completou.
O advogado Batochio vê nesse tipo de argumento "uma
mentira demagógica que alguns querem contar ao povo", porque os
procuradores dispõem de "outras formas de resguardar a sociedade", como
a prisão preventiva, ou a prisão temporária.