“viola o princípio da proporcionalidade punir com pena privativa de liberdade um indivíduo que, para fugir dos riscos gerados tanto pela “indústria da ilegalidade” quanto pela opção política que aposta no modelo bélico de enfrentamento de um problema que é, na realidade, de saúde pública, opta por cultivar a substância que pretende usar.” Rubens Roberto Rebello Casara – Juiz Titular da Juiz da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro
Confira abaixo a íntegra da Sentença:
Sentença
Trata-se de denúncia oferecida
pelo Ministério Público em face de RAFAEL, dando-o como incurso nas penas do
artigo 33 e artigo 33 § 1o, inciso II, ambos da Lei no11.343/06, na forma
do artigo 69 do Código Penal. A denúncia veio
lastreada no auto de prisão em flagrante que deu origem ao registro de
ocorrência no 019-00759/2015, tendo como principais peças: o laudo
prévio de fls. 25/26 e os autos de apreensão de fls. 21 e 27. Despacho
liminar determinando a notificação do acusado lançado à fl. 94.
O laudo de exame de entorpecente encontra-se acostado às fls. 132/134, e o
laudo de exame em local, às fls. 152/156. O acusado foi regularmente
notificado, conforme se depreende da certidão de fl. 104. A defesa prévia foi
apresentada às fls. 122/125. Decisão de recebimento da denúncia lançada à fl.
126. Na ocasião, foi designada data para a realização da audiência de instrução e julgamento, bem como
determinada a citação do acusado. O acusado foi regularmente citado,
conforme certidão de fl. 140. O laudo de exame de material encontra-se às
fls. 132/134 e 136/139. A instrução criminal está retratada na
assentada de fls. 158, tendo sido ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação e uma
testemunha arrolada pela defesa. O acusado foi interrogado, conforme termo de
fls. 163/164. A folha de antecedentes criminais do acusado está às fls.
115/121. O Ministério Público ofereceu alegações finais, por memoriais, às
fls. 166/173. Em seguida, foram apresentadas alegações finais
pela Defesa às fls. 178/194.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
Encerrada a
instrução criminal, não há qualquer elemento probatório
sério a apontar que o material encontrado na casa do réu era destinado ao
comércio ilícito de drogas (nesse sentido, o depoimento de Francisco,
porteiro do prédio em que a droga foi encontrada, é importante: não só pelo
que relatou como também pela ausência de menção à presença de
potenciais compradores no apartamento de Rafael). Aliás, para além de algumas
conjecturas (apresentadas sem suporte firme em dados concretos) e dos
“discursos de fundamentação prévia” (chavões e
elementos discursivos marcados pelo “senso comum”, que demoniza qualquer acontecimento ligado às drogas
etiquetadas de ilícitas), incompatíveis com a dimensão probatória que se
extrai do princípio da presunção de inocência (retratada na máxima in dubio pro reo: ou seja, que
diante da ausência de elementos probatórios
firmes, deve-se sempre optar pela versão mais favorável ao réu), nada está
a indicar que os exemplares vegetais cultivados por Rafael (que, desde a fase
preliminar, sempre afirmou que o cultivo era destinado ao seu próprio consumo,
inclusive com finalidade terapêutica) e apreendidos pelos agentes da persecução penal eram
voltados (ou mesmo aptos) ao comércio de drogas ilícitas (frise-se, aqui, o
caráter arbitrário da divisão entre droga “lícitas” e “ilícitas”, ambas
prejudiciais à saúde individual daqueles que optam por consumir essas
substâncias). Dito isso, impõe-se reconhecer, desse já, que não há prova
adequada ao reconhecimento da hipótese descrita na denúncia.
Importante
lembrar, ainda, que a única parcela do material apreendido própria para o
consumo não ultrapassava 41, 60 gramas de “maconha”, quantidade insuficiente
para sugerir que essa droga era destinada ao comércio ou à obtenção de lucro.
De igual sorte, ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, a
existência de um “tecnológico
maquinário destinado à fabricação de entorpecentes” (fl. 171) não é indicativo de comércio, mas
tão-somente de cultivo e produção. Em matéria penal, por
evidente, não se pode presumir contra o indivíduo. Mas, não é só. De fato,
como alerta a combativa defesa técnica, os órgãos encarregados da persecução penal
fracassaram no ônus de demonstrar (alguns diriam, “carga probatória” atribuída à
acusação) que os exemplares vegetais apreendidos (dezenove
pés crescidos e quarenta e cinco mudas) possuíam tetrahidrocanabinol ou que
fossem viáveis ao consumo (aptos a produzir o efeito entorpecente). Assim,
diante dos elementos trazidos aos autos, não há como afirmar a violação do bem
jurídico protegido pela norma penal que se extrai do artigo 33 da Lei no 11.343/06.
Impossível, diante da ausência de prova técnica adequada, excluir a
incidência do artigo 28, § 1o, da Lei no11.343/06 no caso em
exame.
Dito de outra forma: em razão da ausência de prova técnica,
impossível afirmar que, no caso em exame, o acusado produziria “pequena” ou
“grande” quantidade de drogas etiquetadas de ilícitas. Registre-se, também, a
inadequação da afirmação contida na denúncia de que as
plantas apreendidas eram “matéria-prima para preparação de drogas”, uma vez que “matéria prima”, por definição, são, além dos bens que se
integram ao produto novo, aqueles que sofrem desgaste ou perda de propriedade,
em função de ação diretamente exercida sobre o
produto em fabricação, ou proveniente de ação exercida diretamente pelo bem em industrialização e desde que
não correspondam a bens do ativo permanente. Assim, se é verdade que a folha
de coca é matéria-prima para a fabricação de cocaína, a planta Cannabis
Sativa não é matéria-prima à fabricação da droga vulgarmente conhecida
como “maconha”.
Ademais, viola o princípio da proporcionalidade punir
com pena privativa de liberdade um individuo que, para fugir dos riscos gerados
tanto pela “indústria da ilegalidade” quanto pela opção politica que
aposta no modelo bélico de enfrentamento de um problema que é, na realidade,
de saúde pública, opta por cultivar a substância que pretende usar. Por todo o exposto, e também por
força do princípio da correlação/congruência entre acusação e sentença, que impede
a inovação judicial acerca dos fatos descritos na denúncia,
julgo improcedente o pedido contido na denúncia para absolver RAFAEL com
fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Sem custas.
Após o trânsito em julgado, proceda-se à destruição a substância apreendida, dê-se baixa na
distribuição e arquivem-se os autos. P. R. I.
Rio de Janeiro, 15/12/2015. Rubens Roberto Rebello
Casara – Juiz Titular