A mentira se insinua na política como se insinua em todas as outras áreas da vida O político, às vezes, usa da mentira social, que preserva espaços, que evita o desentendimento ou a mágoa.
O fato é que a mentira se insinua na política como se insinua em todas as outras áreas da vida. Não se trata necessariamente da mentira maldosa, da mentira a serviço da dissimulação permanente, da mentira que esconde a fraude, mas, muitas vezes, da mentira pequena, da mentira social, que preserva espaços, que evita o desentendimento ou a mágoa.
Mentiras deste tipo são comuns na vida política. É o caso, por exemplo, do candidato que se atrasou para um encontro agendado e “inventa” na hora uma desculpa de ocasião, para amenizar a decepção dos que por ele ficaram esperando.
A campanha eleitoral então é uma situação extremamente propícia a mentiras deste tipo. O candidato assume mais compromissos de agenda do que pode cumprir, mais compromissos financeiros do que poderá honrar no prazo estipulado. Assume também um programa de governo elaborado por técnicos e especialistas, que dificilmente terá tempo para ler inteiramente, e se o fizer, de reter suas informações nos detalhes que possui.
O candidato age assim porque, em campanhas, é preciso corresponder às expectativas do cargo, as decisões precisam ser rápidas, o tempo foge, e ele não quer desagradar a ninguém.
A lógica que o faz assumir mais compromissos do que poderá cumprir, decorre do fato de que a campanha é tão dinâmica, sofre tantas mudanças, que ele precisa manter suas alternativas abertas, para o caso de alguma programação ser cancelada na última hora.
É com pequenas mentiras, como aquela mencionada no exemplo, que ele tentará explicar as falhas de sua agenda, sem causar decepção, mágoa e até hostilidade.
Se fosse lidar com estas falhas contando toda a verdade para aqueles eleitores que sofreram com seu atraso, (que deixou de comparecer ao encontro porque surgiu a oportunidade para reunir-se com um grupo maior de eleitores, por exemplo) ganharia o concurso de integridade, mas perderia eleitores aos magotes.
Estas mentiras são análogas às mentiras sociais, às piedosas, indispensáveis à convivência. Mentiras usadas para preparar uma pessoa para um choque emocional, mentiras para não humilhar uma pessoa (quem já não disse para a nova mãe que o bebê era lindo.... embora não o fosse...)
Há outras situações em campanha, entretanto, em que os riscos de mentir são consideravelmente mais altos. Como regra geral, não minta por razões éticas. Mas não minta também por razões políticas. E sobretudo não minta sobre aquilo que pode ser conhecido pelos adversários. Aquilo que teve conhecimento público, que foi publicado na mídia, ou que já apareceu em outra eleição. Não se esqueça de que uma das atividades mais praticadas em campanhas eleitorais modernas é a pesquisa de investigação do adversário. Não caia, pois, na tentação de imaginar que ele não conhece o assunto ou que não poderá vir a tomar conhecimento dele.
É sempre perigoso mentir em qualquer questão referente ao seu programa de governo.
Outra área em que é perigoso mentir é aquela referente ao seu programa de governo, suas propostas, e os dados que sustentam o seu diagnóstico da situação.
Esta é uma situação difícil para o candidato. Reconhecer que não conhece uma matéria importante para o cargo que você pleiteia é certamente politicamente prejudicial. Os candidatos, confrontados com uma situação destas normalmente tentam dela se evadir, com argumentos escapistas, até que o tempo de falar se esgote.
Foi o que fez Lula na eleição de 2002, no debate da Globo, quando da pergunta de Garotinho sobre a CIDE. Claramente Lula não conhecia aquele tributo, mas, como candidato a Presidente não podia declarar que não conhecia. Pôs-se então a divagar sobre assuntos conexos, até o momento em que fez de conta que sabia, referindo-se àquela sigla como órgão do governo, quando na verdade ela se referia a um tipo de contribuição.
Esta “mentira defensiva” (fingir que conhecia o que não conhecia) custou-lhe o ataque de Garotinho, que, por reiteradas vezes insistiu que Lula não conhecia aquela contribuição, a ponto de confundi-la com um órgão de governo.
É sempre preferível, nesses casos, dizer que desconhece a matéria. O reconhecimento da ignorância sobre matéria de governo é sempre grave e acarreta um arranhão na imagem. Por outro lado, a sinceridade de reconhecer sua ignorância sobre o assunto, soma a favor do candidato.
O saldo poderá ser negativo ou até mesmo positivo, dependendo se a matéria sobre a qual foi perguntado é de pequena importância ou de grande importância. Se for matéria de pouca relevância, excessivamente técnica, ficará caracterizada a “pegadinha”, o que não prejudica o perguntado e pode até atingir negativamente o seu autor.
Em qualquer hipótese seja breve, não entre em maiores detalhes sobre sua explicação, e conduza a conversa para outros temas. A forma mais rápida de se perceber uma mentira ocorre, quando a pessoa (na preocupação de deixar a questão explicada plenamente) se alonga na descrição das circunstâncias.
Francisco Ferraz