José Padilha, criador de ‘Narcos’, dirige ‘O Mecanismo’, série inspirada na maior operação contra a corrupção da história do Brasil
O
Mecanismo se inspira na Operação Lava Jato, a investida policial e judicial
contra a maior trama de corrupção do
Brasil cujos tentáculos chegaram a, pelo menos, 12 países. O roteiro, nas mãos
de Elena Soarez, narra a luta hercúlea de dois policiais federais para
desmascarar um enorme esquema de corrupção que comprava, com
malas de dinheiro, desde leis até partidos políticos inteiros. Mas a série irá além
da Lava Jato. “A corrupção é uma característica inerente ao ser humano, pode
ser vista no mundo inteiro”, alertam os criadores. A série terá um presidente,
um ex-presidente, deputados, policiais, promotores e lobistas, mas a intenção é
desfigurá-los. “Não serão reconhecíveis. É como se a história ocorresse em um
país longínquo de outra galáxia”, diz Marcos Prado, um dos três diretores que
trabalham junto com Padilha.
Nessa trama
policial há especial interesse em retratar a obsessão. A dos
que exercem o poder e querem ainda mais, e a dos próprios investigadores por
resolver o caso. O
Mecanismo tem mais de cem personagens, porém um trio domina a
história. Ruffo (Selton Mello) encarna um policial federal – real, mas
desconhecido do público – que foi expulso da corporação e vive obcecado com sua
luta. “É um anti-herói na mesma linha de Don Draper (Mad Men), Toni Soprano (The Sopranos) e Walter White (Breaking Bad)”, diz Mello. Sua pupila Verena (Carol Abras),
criada em um mundo de homens, é o aceno feminista da
série: não só é uma investigadora obstinada lidando com sérios problemas
pessoais, como também é a responsável pela operação. “Nestes tempos me parece
fundamental ter uma mulher liderando”, diz Abras.
O principal alvo
dos dois policiais é Ibrahim (Enrique Díaz), um facilitador, atraído pelo poder
do dinheiro, que se movimenta perfeitamente nos porões do sistema. Ibrahim vê
com total naturalidade o mecanismo de corrupção de que participa, enquanto
mantém uma vida familiar exemplar. Será seu carismático personagem, pai e
marido amoroso, que explicará o mecanismo e fará o espectador questionar a
inversão de valores de uma sociedade corrupta. “A sociedade vive nesse tipo de
acordo, a atitude de meu personagem é terrível, mas ele viveu a vida toda nesse
sistema”, diz o ator.
A aposta de
Padilha, a quem a Netflix, depois do sucesso de Narcos, pediu
uma série sobre o Brasil, é polêmica. A Operação Lava Jato desperta paixões
entre os defensores de limpar a sujeira da política brasileira, os que a acusam
de promover perseguições e abusos policiais e judiciais e os que, diretamente,
querem enterrá-la antes que chegue a seus gabinetes. “Estamos cansados dessa
batalha monocromática. Dramaturgicamente falando, a complexidade dos
personagens é mais interessante que repetir as notícias. Não se trata de medo
de se comprometer com a história, Padilha nunca teve medo de gerar polêmica”,
defende o diretor Marcos Prado. “Não precisamos de um ponto de vista, mas de
uma história que nos provoque e nos faça pensar além de entreter”, completa
Diaz.
A trama real em
que se sustenta a série também é um desafio para qualquer roteirista. A
operação ainda não acabou e desde seu início, em março de 2014, os brasileiros
se acostumaram a novidades quase diárias que deixam o roteiro da série
norte-americana House
of Cards parecendo uma brincadeira de criança: no marco da
Operação Lava Jato houve até um acidente de avião que matou o juiz do Supremo Tribunal
Federal que examinava as denúncias contra alguns dos mais
famosos suspeitos de corrupção. “O foco da série é o começo da operação, não
abordamos toda a sua amplitude, então não existiu esse problema de roteiro.
Nossa história termina em 2014, o que abre o caminho para novas temporadas”,
diz Felipe Prado, outro dos diretores.
Por enquanto,
ninguém se aventura a confirmar se haverá uma segunda temporada. Dependerá do
sucesso dos oito primeiros episódios, que poderão ser vistos em 190 países. O
mecanismo que a Lava Jato persegue é imprevisível. Tanto na ficção como na vida
real.
EL PAÍS